Introdução
A história do Brasil colonial é profundamente marcada pela presença e influência da cultura africana. A partir do século XVI, com o tráfico transatlântico de escravizados, milhões de africanos foram trazidos à força para o Brasil, onde desempenharam um papel central na formação da sociedade, da economia e da cultura colonial. Apesar das condições desumanas da escravidão, os africanos e seus descendentes conseguiram preservar e adaptar suas tradições, deixando um legado que permanece vivo até os dias atuais. Este artigo busca explorar a influência da cultura africana no Brasil colonial, analisando suas manifestações na religião, na música, na dança, na culinária e na organização social, com base nas reflexões dos historiadores Pedro Calmon, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Capistrano de Abreu.
O Tráfico Transatlântico e a Chegada dos Africanos ao Brasil
O tráfico transatlântico de escravizados foi um dos pilares da economia colonial brasileira. Entre os séculos XVI e XIX, estima-se que mais de quatro milhões de africanos foram trazidos para o Brasil, principalmente das regiões da África Ocidental e Central. Esses indivíduos, pertencentes a diversos grupos étnicos, como os bantos, os iorubás e os jejes, trouxeram consigo tradições culturais, religiosas e sociais que se enraizaram no território colonial.
Capistrano de Abreu, em Capítulos de História Colonial, observa que “o tráfico de escravos não foi apenas um comércio de corpos, mas também um intercâmbio cultural forçado, que trouxe para o Brasil elementos fundamentais da vida africana”. A presença africana se tornou tão significativa que, em muitas regiões do Brasil colonial, os escravizados e seus descendentes superavam numericamente a população branca.
A Religião Africana e o Sincretismo Religioso
Uma das áreas mais marcadas pela influência africana foi a religião. As tradições religiosas africanas, como o candomblé e o culto aos orixás, sobreviveram à repressão colonial e à imposição do catolicismo. Os africanos e seus descendentes encontraram formas criativas de preservar suas práticas espirituais, muitas vezes associando os orixás a santos católicos em um processo de sincretismo religioso.
Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, destaca que “o sincretismo religioso foi uma forma de resistência cultural, permitindo que os africanos mantivessem vivos seus valores espirituais sob o disfarce da religião dominante”. Esse fenômeno é evidente em práticas como a associação de Iemanjá com Nossa Senhora da Conceição ou de Ogum com São Jorge.
Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, complementa essa ideia ao afirmar que “a religião africana não apenas sobreviveu, mas também se transformou, criando novas formas de expressão espiritual que enriqueceram a cultura colonial”. O candomblé, por exemplo, se tornou uma das manifestações religiosas mais importantes do Brasil, especialmente na Bahia, onde ainda hoje é praticado com grande vigor.

Jean Baptiste Debret – 1839
A Música e a Dança: Expressões de Resistência e Identidade
A música e a dança foram outros campos profundamente influenciados pela cultura africana. Ritmos como o samba, o maracatu, o jongo e o batuque têm raízes africanas e se tornaram expressões culturais centrais no Brasil colonial. Essas manifestações não apenas serviam como formas de entretenimento, mas também como meios de comunicação e resistência entre os escravizados.
Pedro Calmon, em sua História do Brasil, ressalta que “a música africana não apenas enriqueceu a cultura colonial, mas também serviu como um meio de preservação da identidade e da memória dos escravizados”. Os batuques, por exemplo, eram realizados nas senzalas e nos terreiros, onde os africanos podiam se reconectar com suas tradições e fortalecer os laços comunitários.
Gilberto Freyre, por sua vez, destaca o papel da dança na formação da cultura brasileira. Em Casa-Grande & Senzala, ele afirma que “a dança africana, com seus movimentos vigorosos e expressivos, trouxe uma nova dimensão para as festas e celebrações coloniais, influenciando até mesmo as elites brancas”. A capoeira, que combina elementos de dança, luta e música, é um exemplo emblemático dessa influência, tendo se tornado uma das expressões culturais mais reconhecidas do Brasil.
A Culinária: Sabores e Saberes Africanos
A culinária brasileira também foi profundamente transformada pela cultura africana. Ingredientes como o azeite de dendê, o feijão-preto, a pimenta e o inhame, além de técnicas culinárias como o cozimento em panelas de barro, foram introduzidos pelos africanos e se tornaram elementos centrais da gastronomia colonial.
Capistrano de Abreu, em Capítulos de História Colonial, observa que “a culinária africana não apenas enriqueceu a dieta colonial, mas também se tornou um símbolo da mestiçagem cultural que caracteriza o Brasil”. Pratos como a feijoada, que tem suas raízes nas cozinhas das senzalas, e o acarajé, uma iguaria típica da Bahia, são exemplos claros dessa influência.
Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, destaca o papel das cozinheiras africanas e afrodescendentes na transmissão desses saberes culinários. “As mucamas e cozinheiras negras foram as grandes responsáveis pela introdução e popularização dos sabores africanos na mesa dos senhores de engenho e, por extensão, em toda a sociedade colonial”, afirma ele.
A Organização Social e as Irmandades Negras
A organização social dos africanos e seus descendentes no Brasil colonial também foi marcada pela influência de suas tradições culturais. As irmandades negras, associações religiosas e mutualistas formadas por africanos e afrodescendentes, desempenharam um papel crucial na preservação da identidade e na promoção da solidariedade entre os escravizados e libertos.
Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, destaca que “as irmandades negras foram espaços de resistência e autonomia, onde os africanos podiam praticar suas tradições religiosas e culturais longe do controle dos senhores brancos”. Essas associações, muitas vezes ligadas a igrejas católicas, também proporcionavam apoio material e espiritual a seus membros, ajudando-os a enfrentar as adversidades da vida colonial.
Pedro Calmon, em sua História do Brasil, ressalta o papel das irmandades na formação de uma identidade afro-brasileira. “As irmandades não apenas preservaram as tradições africanas, mas também criaram novas formas de expressão cultural que refletiam a realidade mestiça do Brasil colonial”, afirma ele.

Jean Baptiste Debret – 1839
A Língua e a Cultura Oral
A influência africana também se fez presente na língua e na cultura oral do Brasil colonial. Palavras de origem africana, como “moleque”, “quilombo”, “samba” e “axé”, foram incorporadas ao vocabulário português, enriquecendo a língua falada no Brasil. Além disso, a tradição oral africana, com seus contos, provérbios e cantigas, desempenhou um papel importante na transmissão de conhecimentos e valores entre as gerações.
Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, destaca que “a cultura oral africana não apenas sobreviveu ao sistema escravista, mas também se fundiu com as tradições europeias e indígenas, criando uma rica tapeçaria cultural que é uma das marcas do Brasil”.
Conclusão
A cultura africana exerceu uma influência profunda e duradoura no Brasil colonial, moldando aspectos fundamentais da sociedade, da religião, da música, da dança, da culinária e da organização social. Apesar das condições desumanas da escravidão, os africanos e seus descendentes conseguiram preservar e adaptar suas tradições, criando uma cultura mestiça e plural que é uma das bases da identidade brasileira.
Como bem sintetizou Gilberto Freyre, “o Brasil é, em grande parte, um produto da África, e sua cultura colonial é incompreensível sem reconhecer essa influência”. A herança africana é, portanto, uma das bases mais sólidas da diversidade e da riqueza cultural do Brasil.
Este artigo buscou explorar a influência da cultura africana no Brasil colonial, destacando suas manifestações em diversos aspectos da vida colonial. Através das análises de historiadores como Pedro Calmon, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Capistrano de Abreu, foi possível compreender como a presença africana moldou a sociedade e a cultura do Brasil, deixando um legado que permanece vivo até os dias atuais.
Fontes Bibliográficas
ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. Rio de Janeiro: Edições do Senado Federal, 1998.
CALMON, Pedro. História do Brasil: século XVII – Formação brasileira (Vol. II) – Editora Kirion, 2023.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Global Editora, 2003.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.